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Jamil Chade é correspondente na Europa há duas décadas e tem seu escritório na sede da ONU em Genebra. Com passagens por mais de 70 países, o jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparência Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Vivendo na Suíça desde o ano 2000, Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti. Entre os prêmios recebidos, o jornalista foi eleito duas vezes como o melhor correspondente brasileiro no exterior pela entidade Comunique-se.
Colunista do UOL
29/10/2022 04h00
Uma ruptura institucional no Brasil, com um eventual golpe de estado, traria consequências graves ao país, além de abrir uma onda de violência no Brasil e na América Latina. O alerta é de José Ramos Horta, prêmio Nobel da Paz e atual presidente do Timor Leste. Em entrevista exclusiva ao UOL, o líder do país asiático deixou claro que a diplomacia de Jair Bolsonaro (PL) “chocou o mundo” e que, nos últimos anos, o país “perdeu o norte”.
Figura histórica do pequeno país asiático e símbolo de resistência, Ramos Horta foi ministro das Relações Exteriores, primeiro-ministro e, entre 2007 e 2012, presidente pela primeira vez. Em 1996, ele venceu o prêmio Nobel da Paz por seu trabalho na busca de uma “solução pacífica e justa para o conflito em Timor Leste”.
Desde maio deste ano, ele é de novo o presidente do país e aposta na figura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até mesmo como peça no esforço de se reconstruir o diálogo entre Estados Unidos e Rússia para retomar a ideia de um cessar-fogo na guerra na Ucrânia.
Eis os principais trechos da entrevista:
Chade – Por qual motivo essa é uma eleição importante para a inserção do Brasil no mundo?
Ramos Horta – Nos últimos anos, o Brasil tornou-se imprevisível em sua política externa em que praticamente negou toda a tradição brasileira de ser um país que defendia o multilateralismo, as relações de não confrontação e de diálogo. Isso foi um choque para todo o mundo. O Brasil foi sempre conhecido como um país previsível, com uma política externa prudente, pró Sul e com ótimo diálogo com os países desenvolvidos.
O Brasil é pioneiro na luta contra a pobreza e na cooperação com as instituições internacionais. Portanto, foi uma surpresa desagradável e, obviamente, o Brasil ficou com uma reputação muito ferida. Enfim, essas eleições são muito importantes para o Brasil.
Nos últimos quatro anos, o senhor acha que o Brasil manteve prioridade na Ásia ou a região foi abandonada pela diplomacia brasileira?
Todos foram afetados pela pandemia, que paralisou a economia mundial. Não podemos atribuir tudo a uma falha de liderança do presidente atual do Brasil. Mas o Brasil, nesta presidência, logo depois de impeachment de Dilma, começou a entrar em uma fase de descredito.
O Brasil chega na Copa de 2014 e na Olimpíada de 2016 numa situação muito estranha. A partir dai, o Brasil ficou mais refém de sua crise politica interna e perdeu o norte. Isso sem minimizar a diplomacia brasileira, que é uma das mais competentes do mundo.
Como o mundo reagiria a um eventual golpe no Brasil?
Eu não acredito na possibilidade de um golpe de estado no Brasil. Não acredito que os militares brasileiros, que têm uma grande reputação na ONU e na participação em operações de paz no mundo, possam participar de um ato ignóbil que era só possível na pior era da Guerra Fria, no Chile, Paraguai e Guatemala. As Forças Armadas brasileiras são melhores do que isso.
As consequências seriam demasiado grave para a imagem do Brasil no mundo e poderá levar a uma grande onda de violência e desestabilização no Brasil e na América Latina toda.
Como o senhor avalia o cenário internacional no qual o Brasil terá de navegar em 2023?
Estamos em uma fase muito perigosa. A guerra da Ucrânia não está ficando apenas entre a Rússia e a Ucrânia. Envolve toda a OTAN e as consequências são globais. Portanto, estamos em um mundo muito conturbado.
E que papel um país como o Brasil pode ter?
Para o chefe de estado ter influência internacional, ele precisa ter base legitima e credibilidade nacional. No caso de Lula, meio mundo conhece ele. Lula pode ser a ponte que falta, o construtor da ponte que falta para – ao lado de Índia, África do Sul e Turquia – encorajam o diálogo com EUA, Russia e China.
Precisamos desses países que não têm vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU. Não sendo membros permanentes, eles estão mais livres e independentes. Dado seu peso, eles podem desbloquear esse impasse na relação entre China, EUA e Rússia.
Isso seria importante para um processo de restaurar o diálogo e a cooperação internacional. Neste momento, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, está muito isolado.
Com Lula, que falará com India, Turquia e África do Sul, Coreia do Sul e Indonésia, eles podem estabelecer uma parceria com secretario-geral e dinamizar o dialogo. Neste momento, está tudo parado.
Temos visto a democracia sendo atacada em várias partes do mundo, inclusive por partidos que chegam ao poder usando justamente os meios democráticos. Como o senhor avalia essas ameaças à democracia?
Não sou pessimista. Sou realista. E deve dizer que, ao longo da historia das democracias, houve grandes assaltos ao poder, como Adolf Hitler na Alemanha e Benito Mussolini. Depois da Segunda Guerra, houve um período áureo com a reconstrução da Europa, um grande prestigio dos EUA, a euforia com Kennedy e Martin Luther King, o início do processo de libertação colônias da África nos anos 50 e 60. Depois veio o fim da Guerra Fria e a democratização da América Latina e em outros lugares.
Ao longo da história, sempre houve recuos da democracia e avanços. Mas as democracias são sempre frágeis.
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